segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Índio

Seu nome era Sebastião; seu apelido Índio. Era bem moreno, possuía cabelos lisos e pretos; era magro e media em torno de 1,75m. Quanto o conheci tinha mais ou menos quarenta anos. Na salinha onde eu dava aula sentava-se ao fundo, participando das conversas mais habitualmente quando estimulado, com breves palavras, prestando, no entanto, sempre atenção.

Nosso coração tem os seus mistérios e sabe-se lá porque razão, logo que o conheci tive simpatia por ele. Com certeza já o conhecera em outras andanças. Nosso amigo não era de muitas palavras, sendo um tipo mais tímido, introvertido, na dele. Todavia, não era uma criatura revoltada. Possuía boa índole. Vendia suas latinhas, seus papelões, ganhava seu dinheirinho e ia tocando sua vida, mesmo morando na rua.

Em nossos encontros sempre tratamos da questão das vidas sucessivas, de nossas múltiplas existências, permitindo que entendessem que se por agora passavam dificuldades, deveriam se esforçar para superá-las, com dedicação, que Deus não os havia esquecido e que naquele momento estavam sendo auxiliados, por nós e por seus anjos da guarda, ou seja, por seus amigos espirituais.

Aos sábados, da parte do grupo participante do trabalho, tinham acesso a roupas, remédios – desde que com receita médica, alimentação – feita com muito carinho, amparo e atenção. Além disso, afeto, boas vibrações, água fluidificada, passes e radiações. E, principalmente, o medicamento prescrito por Jesus: o Evangelho. Do lado de lá, a ajuda dos amigos espirituais, lhes inspirando bons pensamentos, lhes dando coragem e força para superação dos obstáculos.

No grupo que coordenava havia uma moradora de rua que tinha se separado do marido para viver com outro companheiro. Largara a família, que morava em Friburgo, para viver com seu novo amor. Forte, falante, mas com o raciocínio muito perturbado. Bebia muito e vivia assustada pela presença espiritual do marido, que havia desencarnado, mas não suportava a separação. Certa vez, numa reunião, quando tratávamos da reencarnação, mencionei o caso desta moça. O Índio, que com ela se dava, referiu-se a ambos.

- Eu a conheço. Ele se separou do marido, mas o espírito dele não se conforma com a separação. Coitada! Fica assustada e acaba bebendo para ver se o espanta.

De nossa parte, quanto à moça, oferecíamos apoio espiritual e tratamento, através de passes e água fluidificada. Também tentamos encaminhá-la para tratamento médico, mas ela não aceitava nossa ajuda, por entender que interferíamos indevidamente em sua vida. Então, fazíamos o que era possível. Acontece que a casa espírita é um todo interligado. Nas reuniões mediúnicas, por exemplo, com freqüência são tratadas entidades ligadas aos freqüentadores da casa, aos médiuns e as pessoas de suas relações. Além disso, também são levados pedidos referentes a pessoas que, mesmo que não freqüentando a casa, são atendidos nas reuniões. Deste modo, os espíritos necessitados são recebidos nas reuniões mediúnicas pelas mais diversas razões, manifestando na reunião toda sorte de espíritos necessitados, aos quais a espiritualidade sempre estende a mão. Mas como disse, a casa é um todo interligado. Então, certa vez, o marido inconformado manifestou-se...

- Eu a amo! Não posso viver sem ela! Não posso me afastar...

O espírito não se conformava com a separação. Ainda que não mais vivesse no plano terreno, não aceitava o distanciamento.

- Mas que mal eu faço a ela? Ela não me quer, mas eu a quero. Aonde ela vai eu lá estou. Bebo com ela. Durmo com ela. Não importa que não me queira mais.

Como de hábito, com muito cuidado, a entidade foi envolvida com muito carinho, sendo encaminhada para tratamento, a fim de que, mais tarde, fosse mais bem esclarecida acerca de sua condição e para que pudesse prosseguir através de outros caminhos na sua caminhada evolutiva.

De início a antiga obsidiada sentiu-se melhor com a separação. Reequilibrou-se, melhorou sua condição psíquica, seu estado geral, esforçando-se por comparecer em nossas reuniões de estudo e por cuidar melhor de sua saúde e aparência. Aquela mudança foi motivo de alegria, pois havíamos ajudado não só ao espírito de seu antigo marido desencarnado, como também a ela própria, que inclusive voltou a se relacionar com a família distante.

Nosso equilíbrio, no entanto, depende do esforço diário, de nossas vibrações. Infelizmente, após uma fase em harmonia com a família distante, desavenças surgiram. Aliado a isto, nossa companheira se afastara das reuniões e sentia falta do antigo companheiro. Terminou voltando ao vício e ao desequilíbrio. Ainda tentamos ajudá-la, mas, portadora de um psiquismo difícil, cada vez mais foi se envolvendo com o vício e, ao fim de algum tempo desencarnou, por problemas de saúde. Nosso amigo Índio abalou-se com a perda e certa vez me disse:

- Eu sempre rezo por ela. Ela se assustava com o espírito do marido, mas depois que ele se afastou, não se conformava. Depois ainda brigou com a família. Aí voltou a beber. Difícil... Eu gostava dela como amigo, mas ela era muito complicada. Não adiantava conversar. Não gostava que se metessem em sua vida. Que Deus a guarde.

Aproveitei a oportunidade para reafirmar as nossas muitas vidas e para esclarecer que ela poderia se reencontrar oportunamente com o antigo marido e com as pessoas amadas. Nosso amigo Índio consolava-se com esta idéia, dando a entender sua opinião:

- Deste jeito é muito melhor. A gente vai, volta, melhora um pouquinho. Cai, levanta. Sempre se reencontrando... Eu acredito que seja assim mesmo... A vida não pode terminar aqui! Seria muita malvadeza com a gente. Tanto sofrimento! Por nada?

No verão me afasto um pouco mais dos trabalhos espirituais. É a época em que tiro férias, viajo, descanso e posso dar mais atenção para a família. No retorno soube que o Índio havia desencarnado. Envolvera-se numa briga, fora esfaqueado e não resistiu. Mesmo sabendo da continuidade da vida, fiquei triste com o acontecido. Desencarnar naquela circunstância, vítima de violência? Fiquei sentido. Pelo menos - pensei - sabendo que a vida continua, ele entenderia melhor sua condição de desencarnado, facilitando sua readaptação à nova condição e permitindo melhor auxílio da parte dos amigos do lado de lá.

Enfim, a vida tem que prosseguir e continuei a trabalhar aos sábados de manhã e nas reuniões mediúnicas às terças feiras à noite. Foi lá, para minha surpresa, que o revi. Sorria para mim, com os dois polegares levantados, como quem dissesse: - É verdade mesmo! A vida continua! Do jeito que o senhor dizia...Muito obrigado!

Em minha memória guardo com carinho a fisionomia do Índio, feliz, fazendo o sinal de positivo, de papo firme, com as duas mãos, mostrando sua felicidade, a me dizer: - É isso aí! Continuamos aqui! Estou bem! Graças a Deus!

Mais tarde, com certeza, iremos nos reencontrar.

Muita paz!

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