domingo, 16 de maio de 2010

Moto contínuo

Como é que as pessoas conseguem explicar a razão certas coisas sem buscar nas profundezas de nossa alma no passado, nos arquivos de nossas vidas anteriores? È lá que poderemos encontrar a origem da facilidade de aprendermos, por exemplo, determinado intrumento musical ou certa língua estrangeira. Neste lugar tão misterioso encontraremos a razão de antipatias sem explicação e afinidades tão latentes. Escarafunchando estes arquivos, poderemos encontrar a causa de graves enfermidades, de sérios acidentes e de mortes inesperadas.

A vida é um moto-contínuo, em que as existências precedentes repercutem na vida atual, que por sua vez interferem nas vidas futuras. Tudo interligado, num movimento incessante em busca de luz, ainda que não tenhamos esta percepção, do mesmo modo que a planta busca o sol com sofreguidão. Sobre isso é que escrevo.

Nosso personagem de hoje teve que se deparar com os ecos de uma existência distante, bem como aqueles que com ele conviveram num passado longínquo na Rússia, como soubemos posteriormente.

Fora um czar que controlara a sociedade com mãos de ferro, numa época em que a propriedade da terra era de poucos. Orgulhoso e inteligente não utilizara sua inteligência para o bem de todos.Sua família, assim como ele, julgava-se no direito de usar e abusar dos bens, de suas propriedades, sem pensar na imensidão de miseráveis que os cercava. Por conta de seu poder e orgulho, tantas vezes infligira penas nem sempre justas aos seus comandados e, deste modo, foi colecionando inimigos ao longo da vida.

Do ponto de vista de seus pares, contudo, era admirado por sua firmeza e determinação. Exercia sua autoridade com determinação e não hesitava em tomar medidas drásticas, ainda que desagradasse a muitos.

Sucintamente, o que sei, é que utilizara-se mal da inteligência e da oportunidade que Deus lhe concedera, para usar o poder em benefício de todos.

No seu enterro houve o fausto e as homenagens a que se habituara, mas ao chegar ao outro lado da vida, encontrou uma legião de espíritos que lhe vinha lhe cobrar a fatura de seus desmandos.

Na espiritualidade encontrou a mesma rigidez, intolerância e rispidez com que tratara os outros. Seus inimigos pagavam com a mesma moeda recebida: violência, maus-tratos e humilhações. Ele não era o maior? Era, pois agora não era mais! E tome flagelação, achincalhamento, chibatadas e xingamentos. Era a vez da desforra dos sofredores. Quem mandou ser do jeito que foi? Que agüentasse!

Depois de muito sofrer, afinal conseguiu se libertar, ao menos parcialmente, daqueles que o perseguiam, sendo ajudado por mãos amigas, que por ele tinham muita estima. A verdade é que por pior que seja o criminoso, existe alguém que tem por ele muito amor: um pai, um amigo, um irmão, um parente, seja lá quem for. Não existe criatura humana inteiramente má. Em todas há um lampejo de amor, de humanidade. E, nosso czar, também possuía estes afetos, que por estarem em melhor posição espiritual o ajudaram a temporariamente desvencilhar-se de seus perseguidores.

Auxiliado por seus amigos, o antigo czar foi levado para um hospital, a fim de se tratar. Ministraram-lhe passes, água fluidificada e tratamento adequado. Por necessário, teve que recapitular sua existência.

No período em que vivera no umbral, sob a perseguição de seus inimigos, foi se dando conta do sofrimento que infligira às pessoas. Envolto pelo poder, orgulho e por seus bajuladores, como poderia dar-se conta disso?

Internado no hospital, onde recebera amor e carinho, após muito sofrer, começou a dar-se conta do mau uso de sua inteligência e dos muitos erros cometidos. À sua mente vinha a imagem das vítimas, reclamando compreensão, pedindo clemência, rogando seu perdão, que ele, inflexível não soubera conceder. Em vez do orgulho e da altivez, passou a oscilar num estado mental entre a melancolia, a negação de tudo e a desesperação.

- É mentira! Mentira! Tudo mentira! Afastem-se de mim. Eu sou o czar. Vocês vão ver!

Por vezes, recolhia-se a um canto solitário, onde chorava lágrimas sentidas.

- Eu não sabia... Eu não sabia... Deus me perdoe. Ah... se eu tivesse procedido de outra forma? Eu sou culpado, culpado, culpado...

Ainda que tivesse recebido tratamento adequado, as lembranças do passado não lhe saíam da mente. Foi assim que rogou o favor da reencarnação, a fim de que pudesse ao menos apagar as imagens nefastas que se recusavam a sair de sua mente.Deste modo, foi programada nova existência para nosso personagem, que tornaria a conviver com antigos companheiros de jornada, sendo alertado que teria um corpo físico perfeito, mas problemas no seu psiquismo.

Renasceu no Brasil, tendo como mãe uma avó que o embalara com carinho na existência anterior. Mais adiante renasceram os irmãos que partilharam das benesses da vida farta na Rússia.

Na sua infância destacara-se nos esportes, sendo ótimo aluno na escola. Jogava futebol muito bem, integrando o time da escola onde estudava. Destacava-se assim tanto nas tarefas escolares como nos esportes.

Foi na adolescência que começou a apresentar sinais de desequilíbrio, na época em que prestava vestibular. Tinha aulas todos os dias e provas aos domingos, pois queria preparar-se bem para prova de importante escola pública. Ao final do esforço saiu-se bem, conseguindo o objetivo pretendido. No entanto, sua mente pareceu superexcitar-se. Passou a escrever muito e a contar estórias fantasiosas. Sua família passou a achar o seu comportamento estranho.

Ao fim do vestibular resolveu viajar, tendo sua primeira crise nervosa, entre as muitas que teria na vida, quando saiu da realidade, passando a ter visões e emoções descontroladas. A família deu-lhe apoio e tratamento. Porém, após a crise, veio a depressão e o desânimo. Esta alternância de estados passou a ser uma constante em sua vida.

Então, a cada três anos, aproximadamente, vieram as crises, quando a perseguição espiritual aumentava. Seus obsessores não tinham com ele a menor piedade, impondo sofrimentos ao antigo czar e desarmonia em toda a família. Atingindo a ele buscavam atacar todos aqueles que auferiram benefícios daquela existência faustosa.

- Vamos acabar com eles. Safados! Eles tiveram piedade da gente? Nada! Agora vão sofrer!

Por conta dos problemas psiquiátricos o antigo czar não se acertara na área amorosa. Via assim seus antigos colegas de escola constituírem família, ter filhos e os primeiros sucessos na vida profissional. E ele?

Na área profissional, por conta de seu desequilíbrio, da oscilação de seu estado mental e dos medicamentos que tomava, tinha dificuldades com horário e compromissos.

A existência passou a lhe ser difícil. Se por um lado alegrava-se com cada casamento ou com o nascimento dos sobrinhos, por outro, percebia que sua vida pessoal não seguia o mesmo caminho. Aquilo lhe amargurava. Queria ter filhos, família, mas como sustentar uma família, se mal fazia para o próprio sustento?

Com o passar dos anos, os amigos e os irmãos foram se casando, tendo seus próprios interesses e ele foi ficando sozinho, em companhia apenas da mãe. Seus obsessores, apertando o cerco, passaram a lhe inspirar maus pensamentos.

- Vagabundo. Imprestável. Tua vida não vai pra frente. Você é um zero à esquerda, não vê? Viver pra quê?

A mãe, criatura evangelizada, buscava levantar-lhe o ânimo e dar-lhe conforto psicológico, porém, em suas crises era a mais atingida. O filho, que muito a amava, instado pelos inimigos espirituais, lhe dirigia ofensas e palavras de baixo calão.

Ela socorria-se no evangelho, na oração e buscava levá-lo a palestras no centro espírita que freqüentava. Afora o tratamento médico, psicológico, que pagava, buscava lhe dar conforto e orientação espiritual, tentando de todas as formas o reequilíbrio do filho querido.

Assim a mãe, a cada internação, a cada crise, redobrava os cuidados com o filho. Nesta jornada buscara diversas religiões, encontrando consolo na doutrina espírita. E, quanto aos cuidados médicos, não descansou enquanto não encontrou um psiquiatra de sua confiança.

Mesmo durante as crises, a família procurava evitar a internação, mantendo o convívio, ainda que difícil. No entanto, quando a excitação mental, por conta da esquizofrenia, era incontrolável, por medida de segurança e como última alternativa, eram obrigados a interná-lo em clínicas especializadas.

Na sua derradeira crise, depois de mais de cinco anos em relativo equilíbrio, parecia estar chegando a hora da internação. Sua mãe, desgastada pelo convívio difícil e pela agitação do filho, cogitava da necessidade de internação. Naquela noite, diferentemente, o filho parecia mais calmo. Assim relativamente despreocupada, lia na sala de seu apartamento.

Na espiritualidade, porém os trabalhos eram muitos. Entre aqueles que queriam o seu mal, pensavam haver chegado a hora do desfecho final.

- Seu traste, seu vagabundo. Sua vida não vai pra frente. Viver pra quê? Acaba logo com isso.

Na sua trama macabra, planejavam acabar com a vida de seu inimigo. Então, instaram-lhe a se dirigir em silencio para a janela.

- Vai, pula, pula, acabe com isso!

Dominado por aquelas ordens mentais, com sentimentos em desalinho, imaginou-se que talvez pudesse voar. Quem sabe não pudesse ter uma nova vida? Ele queria voar, criar asas, ter uma vida diferente. Deste modo, sem ter muita noção daquilo que fazia, trepou na grade e atirou-se da janela do terceiro andar de seu apartamento.

A mãe, quando deu-se conta do que iria fazer, correu para a janela, mas foi tarde. A ação foi muito rápida. Esbaforida, desceu pelas escadas, encontrando o filho ensangüentado dizendo palavras desconexas. A morte deu-se logo em seguida, por conta da violência da queda.

Numa reunião mediúnica, tivemos notícia, que nosso personagem foi envolvido por muita luz, no momento de seu desligamento do corpo físico. A espiritualidade superior, não tivera meios para deter o acontecido, por conta das muitas energias envolvidas naquele instante. Entidades trevosas, àquela noite, unidas em firme propósito, encontrando campo aberto na mente em desalinho do antigo czar, conseguiram afinal seu intento. No entanto, como ninguém está desamparado, nosso amigo, após o desenlace do corpo físico, foi envolvido por entidades amigas que de há muito o conheciam, sendo levado para tratamento espiritual.

Certa ocasião, manifestou-se um daqueles algozes espirituais que o induziram ao ato nefando. Dizia-se arrependido de sua atitude e impressionado com o cerco luminoso que cercou o antigo czar quando de seu desenlace.

Quanto a nós, vez por outra temos notícia dele, que juntamente com seu pai atua em enfermarias na espiritualidade.

A vida é um moto contínuo, onde nossas existências estão todas interligadas. Que Deus nos inspire no plantio de boas sementes.

Muita paz.

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