sábado, 23 de janeiro de 2010

O chefe irascível

Numa próspera cidade vivia um empresário muito rico. Ele havia começado do nada e provinha de uma família muito humilde. Porém, à custa de muito trabalho havia construído considerável fortuna. Era inteligente, persistente, ambicioso, hábil negociador e percebia com facilidade novas oportunidades de negócios. Enfim, era um homem de visão e sua empresa prosperava a olhos vistos. Porém, do alto de sua fortuna, do seu poder, do seu merecido prestígio empresarial, não sabia perdoar as falhas de seus subordinados, punindo-os tantas e tantas vezes com a demissão. Além disso, era extremamente vaidoso. Sua empresa entretanto crescia, já que como homem de visão que era sabia cercar-se de bons auxiliares. Não suportava, todavia, que aparecessem mais do que ele.

Possuía inúmeras fazendas, dedicava-se ao comércio e à indústria, atuando em variadas áreas da economia. Entre tudo o que fazia, o que mais lhe agradava era a construção civil, que afinal era de onde tudo havia começado. De família simples, tinha aprendido com o pai o ofício de pedreiro, e, por ser muito bom profissional, de pedreiro passara a mestre de obras, daí a construtor de residências, e mais tarde  de prédios, pontes e tudo o mais que pudesse ser levantado do chão.

Nesta caminhada havia montado uma bela equipe de profissionais que lhe ajudava e colocava seus projetos para frente. Por trabalharem juntos há muitos anos seus principais colaboradores conheciam de perto não só a sua capacidade empresarial, mas também sua irascibilidade, intolerância e vaidade. Em função deste gênio difícil muitos desejavam sair, procurar outro emprego, mas como a empresa prosperava sempre e precisavam trabalhar, iam engolindo os sapos, o ressentimento e prosseguindo na empreitada.

Além de tudo que já foi relatado, a sorte também lhe favorera. Sucede que o país em que vivia passara por grave crise econômica e momentos de dificuldades. O que lhe foi favorável, contudo, é que a época de recuperação econômica do país coincidira com a de crescimento da empresa. E, como o país precisava se desenvolver incrementou a construção civil. Pronto. Com muito trabalho e condições favoráveis a empresa prosperou.

À medida que a empresa crescia, as pessoas também observavam que aumentava a irascibilidade do chefe. Talvez quem sabe assoberbado por inúmeras atividades e preocupações em função de suas muitas empresas e empregados que dele dependiam.

A determinada altura da vida, já com grande fortuna construída e muito prestígio, resolveu fazer sua maior obra: um enorme arranha-céus! Não seria um arranha-céus qualquer, mas sim o arranha-céus. Teria arquitetura surpreendente e inúmeros recursos tecnológicos. Os elevadores seriam panorâmicos, para que todos melhor admirassem sua obra. De informática os recursos mais modernos. Usaria novos materiais e novas técnicas. Ou seja, seria a obra de sua vida e nela empenharia toda sua fortuna. Por merecer, colocaria no prédio o seu nome. Assim as pessoas nunca mais se esqueceriam dele.

Contratou os melhores arquitetos, engenheiros, gerentes, decoradores e artistas. O prédio a ser construído deveria ser magnífico. E de fato o foi.

Durante a construção as pessoas comentavam que não nunca haviam visto nada igual. Que arquitetura original, que maravilha! E a decoração interior? E a tecnologia? À medida que crescia a obra, mais eram  exaltados, entre outros, os projetistas, os engenheiros, os arquitetos, os paisagistas, já que cada um destes profissionais fizera de fato um trabalho admirável. O chefe, entretanto, que fizera aquela obra com a intenção de exaltar-se acabara ficando meio esquecido. E, com o passar do tempo, aquela situação foi lhe causando cada vez mais contrariedade.

No dia da inauguração, ainda que o prédio lhe levasse o nome, e mesmo sendo reconhecida a sua habilidade empresarial, o que chamava mesmo a atenção era a obra. A arquitetura, o design, a modernidade, a criatividade, as soluções originais dos profissionais que nela trabalharam.

O rico empresário ficou irritadíssimo. E, temperamental que era, foi demitindo um a um seus colaboradores. O arquiteto cujo projeto aparecera mais que ele foi o primeiro. O engenheiro que levantara o prédio foi o segundo. E assim por diante, numa bola de neve. As notícias correram rapidamente, as pessoas se revoltaram, os funcionários idem. Mas não teve jeito. Não gostaram? Então que procurassem outro canto para trabalhar. Foi a sua derrocada. Sabe do que mais? Dispensou todo mundo!

Então, sua fama se espalhou, perdeu sua equipe e já não fazia mais bons negócios. Suas empresas definharam. Muito tempo depois, quando percebeu que deveria ser menos irascível e vaidoso, já não conseguiu de volta os profissionais que haviam lhe ajudado a levantar sua imensa obra. Com a experiência e o talento que não fora reconhecido, recolocaram-se e tocaram suas vidas adiante.

Por fim, sem bons colaboradores, suas empresas se extinguiram e o chefe acabou só.

Ao final desta estória, pode-se perguntar o que a mesma tem a ver com espiritualidade. Afinal, o blog pretende abordar estas questões. Explico.

Segundo entendo, Deus precisa permanentemente de seus colaboradores. Então, diferentemente do chefe da estória, deve lhes dar sempre novas oportunidades e facilitar o seu desenvolvimento como criaturas.

Nesta fábula, digamos assim, a dispensa definitiva equivale à morte. E, por conseguinte, se após a morte não existe mais nada, não podemos mais colaborar com o criador.

Vamos supor que determinado profissional, estude se aperfeiçoe, faça ótimo trabalho, seja um bom pai de família e contribua para o desenvolvimento de sua comunidade. Não obstante isso, se não existe vida após a morte, toda a sua experiência valeu apenas para aquela existência. É como se o chefe lhe dissesse: muito obrigado, já não preciso mais de seus serviços. You are fired!

Ao mesmo tempo, se um malfeitor, desordeiro e criminoso morre, também já não tem mais chance de se recuperar. Já era meu filho. Agora acabou. Você também está dispensado.

E, nesta toada, poderíamos ir longe.

Agora, pense bem. Se a reencarnação existe, não é como se Deus sempre nos desse a oportunidade de trabalharmos em sua obra? Que sempre nos desse uma nova chance, uma nova oportunidade? Afinal, não se diz: tudo que eu preciso é de uma chance. Então, meu amigo, ao longo de nossas múltiplas existências Deus nos oferece sempre a chance de nos melhorarmos, de crescermos e de colaborarmos com a sua criação, onde ainda há muito por fazer.

Então, essa conversa de que após a morte existe o nada é muito ruim. E os chefes que não nos dão novas oportunidades? Pior ainda! Não é muito melhor um chefe, digamos assim, que nos estimula ao crescimento?

Ao final, lembre-se o que dizia Kardec: "Nascer, viver, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a lei."


    
      

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