quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Coronel

- Perdoa, Coronel, perdoa...

- Passa fora, peão! Eu já lhe dei muitas chances. Agora não dá mais!

- Mas eu tô velho, Coronel. Como é que eu vou fazer sem trabalho?

- Você tá velho nada. O que você tem é lerdeza, preguiça... Não dá mais! Já falei! Não discuta!

E assim o trabalhador teve que se conformar com sua demissão. O Coronel não tolerava gente preguiçosa. Ele queria produção. E, quem não produzia adequadamente, segundo sua avaliação e de seus capatazes, não tinha lugar ali. Mandava caçar o seu rumo, juntar suas trouxas, queimar o chão...E tem mais: desobediência também não tolerava! Ele não era o Coronel? E ordem do Coronel não se discute, se cumpre.

Era homem de fibra, criado no interior do Sertão, tomando leite de cabra, comendo rapadura, pegando sol, andando pelos campos, respirando ar puro e exercendo sua autoridade desde a infância. O pai, que o criara para mandar, lhe dizia, quando criança:

- Quando crescer isso tudo aqui vai ser seu. Todo o gado, as plantações, as casas, tudo. E você tem que ser cabra-macho pra tocar pra frente, ter coragem para mandar e resolver as coisas como homem.

E, sendo homem e poderoso, desde novo se habituou a ter muitas namoradas. Ele não era poderoso? E qual o homem poderoso que não tinha muitas mulheres? Tinha dinheiro, terras, empregados, prestígio, poder, nome...então... não teria mulheres? É claro que sim! Nessa condição contraíra diversos desafetos entre seus empregados, pois nem sempre mantinha o respeito com suas mulheres e filhas.

- Um dia o senhor vai pagar pelo que fez Coronel...

- Ranca fora, já falei! Ela é que é oferecida! Eu sou homem de respeito, mas sou macho. Fora daqui! Fora, já disse!

O Coronel não tolerava discussão. Que ninguém se aventurasse em mandar nele. E, se arriscasse, mandava aplicar um corretivo.

- Dê uma sova nele, que é pra aprender a não levantar a voz comigo. Aqui quem manda sou eu. Não tolero gente topetuda, abusada. O único que pode levantar a voz aqui sou eu. E mais ninguém. Ouviram bem?

Com os filhos era o mesmo discurso, a mesma rigidez. Enquanto tivessem debaixo do seu teto tinham que rezar na sua cartilha. Aprendera com o seu pai a ser daquele jeito e havia dado certo, porque então mudar?

Apesar do seu jeito iracundo, não era de todo mau. Era sim autoritário e não permitia ser contrariado, a não ser por outro Coronel, mas com o devido respeito. Ainda assim, se não fosse na frente de sua gente, mas apenas entre os seus pares, de gente como ele. Em seu favor pode-se dizer que tinha muito zelo por aqueles que considerava bons empregados, seus homens de confiança. A estes nada faltava, principalmente remédios, tratamento e comida. Estes comentavam:

- O Coronel é brabo, mas é bom para gente...

Deste jeito tocou sua vida.

Morreu como se diz, de idade, cercado por filhos e netos, que tinham por ele mais do que carinho muito respeito.

Chegando na espiritualidade, não entendeu bem sua situação. Quis continuar a mandar, mas as pessoas não lhe escutavam. Um desaforo, pensava...Quem era aquela gente que não lhe dava a menor pelota?

Na fazenda em que vivia diziam que o Coronel de vez em quando aparecia feito assombração, bradando e exigindo respeito. Os poucos que o viram ficaram apavorados o descrevendo com os cabelos desgrenhados, os olhos esbugalhados e com uma ira maior ainda. Cruz credo! Sai fora Satanás – diziam.

Na sua mente o Coronel imaginava que as pessoas haviam perdido o juízo, o destratando daquele jeito. Com o tempo, foi vendo que alguma coisa estranha havia acontecido. Será possível que tivesse morrido mesmo, como tanta gente comentava? Mas se tinha morrido, como é que estava vivinho daquele jeito? Impossível!

Passou a ficar cismarento, sem ânimo. Um dia, no entanto, escutou uma ladainha ao longe. Foi ver. Era uma procissão fúnebre. Bonita! O povo humilde chorava sentido. Quem será que teria morrido? Buscou enxergar o defunto e reconheceu um padre que conhecera ainda novo, mas que naquela ocasião se apresentara muito mais velho. Como aquilo era possível? Tomou um choque. Então era verdade. Ele houvera desencarnado. Caiu finalmente em si, mas só e desamparado.

Em face da religiosidade do povo e das boas obras do padre que desencarnara, a procissão, no plano espiritual, era formada com um conjunto de belas entidades que auxiliavam o padre ora desencarnado nos seus trabalhos evangélicos.

O Coronel, sentindo o coração apertado, só, confuso, sem saber o que fazer, resolveu seguir a procissão e com ela entoava cantigas lamentosas. Na hora do enterro fizeram sentida prece, que o Coronel acompanhou atento. Porque nunca havia pensado em Deus? – cismava. Rezou o Pai Nosso, a Ave Maria e o Salve Rainha. E pensou em Nossa Senhora. Será que ela não se lembraria dele? E passou a repetir com fervor:

- Ave Maria, cheia de Graça, o Senhor é Convosco, Bendita sois vós, Bendito é o fruto de Vosso ventre, Jesus....

Ia até o final da oração e repetia. Após algum tempo uma senhora, com uma fisionomia muito afável aproximou-se dele e lhe disse:

- Boa tarde, Coronel.

O Coronel logo viu tratar-se de uma irmã de caridade e lhe respondeu:

- Boa tarde irmã. Deus seja louvado. Ajude irmã este pecador, só e abandonado. Eu não entendo nada irmã. Estou vivo, mas em outro mundo. Onde estou? Afinal eu morri, irmã? O que aconteceu comigo?

- Acalme-se meu filho, Deus ouviu as suas preces e lhe estendeu suas mãos dadivosas. Mais tarde você irá entender.

Então, a irmã o acolheu-o fraternalmente em seu colo, aplicou-lhe energias balsamizantes e o fez dormir.

O Coronel foi encaminhado a uma instituição de tratamento, recebendo auxílio e atenção. Aos poucos foi recobrando o ânimo e, à medida que se recuperava, também era levado a questionar sua conduta na última existência.

Mesmo estudando na espiritualidade e sendo esclarecido da necessidade de mudança, isto não era tão fácil para ele. Como abandonar o autoritarismo e aceitar as críticas, agora que tinha perdido o poder?

Tempos depois, refletindo, compreendeu a necessidade de retornar ao corpo carnal e recomeçar suas lutas. Foi esclarecido de que teria dificuldades no trabalho, que não mais seria o senhor todo poderoso e que teria que aceitar as ordens de seus superiores. Soube ainda que teria dificuldades na área amorosa, em virtude dos abusos cometidos na sua vida pretérita.

Assim, reencarnou o antigo Coronel em nova existência terrena.

Na infância foi criança ativa e inteligente, mas que não gostava de aceitar ordens e discutia com os pais. O pai, por sua vez, era duro com ele, pois era homem criado na lida, na dificuldade, não admitindo ser contrariado pelos filhos.

Por influência do pai resolveu seguir a mesma profissão - engenheiro agrônomo, pois adorava mato, o barulho dos riachos, a calma da natureza. Um dia, pensava, teria uma grande fazenda, com muitos empregados.

Com este intento fez o vestibular, mas não passou logo na primeira vez, pois não se dedicara com afinco. Porém, no ano seguinte, depois das cobranças do pai, dedicou-se aos estudos e conseguiu entrar na faculdade, onde conheceu seu grande amor.

Foi um romance muito apaixonado no início, mas de muitas idas e vindas posteriormente. Terminaram e reataram o relacionamento diversas vezes. A namorada não aceitava ser mandada. Era uma mulher independente, viajada, que tinha o próprio dinheiro e falava diversas línguas. Não era mulher do tipo que se colocasse cabresto.

Após formado teve muitos empregos e trabalhou em muitas fazendas, mas até hoje não realizou o sonho de ter sua própria fazenda.

A mulher amada foi morar longe, teve diversos outros relacionamentos, mas não se firmou em nenhum deles. Do mesmo modo, o antigo Coronel, ainda que tivesse muitos relacionamentos, não a conseguia esquecer. Por fim ficaram juntos de novo.

Uma vez casado, decidiu que tinha que dar certo na profissão, adquirindo muitos conhecimentos. No entanto, no trabalho, mais de uma vez foi mandado embora, justificando-se em casa:

- Ainda bem, meu chefe era uma besta! Não sabia nada! Vou arrumar outro emprego melhor...

- O cara me persegue... Não vai com a minha cara...Vive me boicotando...

- Eu discuti mesmo! Ele estava errado!

Assim o antigo Coronel continua sua luta contra o seu orgulho e sua incapacidade de obedecer.

Certa noite, antigos empregados, por ele prejudicados, que agora o perseguiam, foram atendidos numa reunião mediúnica da qual participava, tendo recebido auxílio e orientação. Foi quando conheci sua estória.

Quanto ao Coronel, enquanto não vencer o seu orgulho e aprender a lição da humildade, por necessário, irá encontrar muitos dissabores na vida, até que encontre um novo modo de ser.

Que Deus o ilumine.

Muita paz.

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