quinta-feira, 25 de março de 2010

O gordo

Hoje gostaria de falar sobre a atuação do pensamento em nossas vidas, particularmente quando estamos desencarnados. Para este fim, veja-se o que diz o Livro dos Médiuns acerca da liberdade que tem o espírito de adotar a forma que deseja, através da ação do pensamento sobre o perispírito, conforme consta na Parte Segunda, Capítulo I – Da ação dos espíritos sobre a matéria – item 55, que reproduzo parcialmente:

Desembaraçado do obstáculo que o comprimia, o perispírito se estende ou se contrai, transforma-se; numa palavra: ele se presta a todas as metamorfoses, conforme a vontade que age sobre ele. É por conseqüência dessa propriedade de seu envoltório fluídico que o Espírito que quer se fazer reconhecer pode, quando isso é necessário, tomar a exata aparência que tinha quando encarnado, até mesmo com sinais corporais que possam ser evidências de reconhecimento.”

Ao mesmo tempo que o próprio espírito pode atuar na forma que tem, outros espíritos podem atuar no sentido de que a forma perispiritual do desencarnado seja alterada. No capítulo V do livro Libertação, André Luiz nos narra como uma senhora, ao influxo de sua culpa e remorso, por ter matado seus quatro filhos, assume a forma de uma loba, por indução hipnótica do “juiz”que a julgava.

No entanto, quero relatar uma outra estória onde a espiritualidade intercedeu para também alterar a forma de um espírito amargurado pelo seu excesso de peso. Sucedeu-se assim.

Nasceu com baixo peso, um quilo e setecentos gramas, precisando ir para a incubadora. Desde lá mostrou o seu apetite, ganhando logo peso. Aos seis meses ninguém diria que nascera tão magrinho, vindo a pesar nove quilos, o que normalmente se tem lá pelo nono mês.

Os pais, que haviam visto o menino nascer tão mirradinho, agora exibiam satisfeitos seu filho. Tem uma fome de leão – dizia a mãe. Tenho que trabalhar dobrado para sustentar esse garoto – gabava-se o pai.

Lá pelos dois anos já tinha em torno de quinze quilos. Garotão fortão, hein? – diziam as pessoas. Esse moleque come...tem a boca nervosa! Tenho que trabalhar dobrado para dar conta do recado – dizia o pai.

A mãe do menino achava que criança forte era criança parruda. Magreza, para ela, era sinônimo de falta de saúde, de miséria. E miséria era o que não queriam mais saber na vida. Já bastava o que tinham passado no Nordeste, de onde tinham saído em busca de uma vida melhor no Rio de Janeiro. Assim, o menino crescera acostumado a comer bastante, o tempo inteiro, pois precisava crescer forte. E tome arroz, feijão, batata e macarrão. Carne também, pois comida sem carne não tinha a menor graça.

Mãe, compra uma bala pra mim, compra mãe – pedia o menino. E a mãe comprava. Não é que tivessem dinheiro para esbanjar, mas o pai trabalhava duro na obra e não queria que economizassem com o menino. Ele passara fome, mas o filho dele nunca passaria por aquilo.

Além de gordo, não se acertava com o futebol. Preferia ficar em casa vendo televisão. E para acompanhar os seus programas favoritos nada melhor do que uma pipoca, ou será que era melhor um brigadeiro? Distraía assim a mente e o estômago. A mãe, também fortinha, concordava com ele: não tinha coisa melhor na vida do que comer.

Na rua onde morava, as crianças logo lhe botaram apelidos: Gordo, Bola, Tonelada, Bujão... O que pegou, no entanto, foi Bola. E o menino virou o Bola. O nome não interessava. Falou no Bola, na rua em que morava, já se sabia que estavam falando dele.

A sorte do garoto, se é que pode se dizer assim, é que além de gordo também era alto e forte. Nisso tinha puxado o pai, que era forte como um touro. Trabalhador bom demais. Pedreiro de primeira. Para dar conta dos tijolos que assentava precisava de três serventes para dar conta da massa. Dizia ele que assentava mais tijolos do que o Maguila, aquele que virou lutador, que também havia sido pedreiro, com quem teria trabalhado, mas isso não se sabe se era verdade. O Bola puxou o gênio do pai. Boa praça.

Na adolescência, na escola, começou a ter problemas. Com aquele tamanhão todo não cabia nas carteiras, precisando de duas cadeiras para se acomodar. A turma encarnava nele, mas o Bola fazia que não ligava.

Na época de namorar o Bola também foi ficando pra trás. Mesmo que fosse divertido, como de fato era, as meninas não se interessavam por ele, a não ser como amigo.

A primeira vez em que a mãe do Bola o viu reclamando da obesidade foi quando o viu chorando por causa de uma menina por quem havia se apaixonado. – Ela falou que gosta de mim como amigo, mãe. Tudo quanto é menina só quer saber de amizade! Elas pensam que eu não sei, mas é por causa de minha gordura que elas não querem namorar comigo. Eu gosto dela mãe. Como é que eu vou fazer?

Naquela época em que todo mundo namorava o Bola sofreu. O pai, a fim de ajudá-lo, o levara a um prostíbulo, onde teve sua primeira experiência sexual. Não era bem aquilo que queria, mas enfim...

Na escola não teve muito sucesso. Para o pai e a mãe aquilo não importava muito, mas sim que fosse honesto e trabalhador. A duras penas chegara à oitava série, sendo a sua formatura no ensino básico muito comemorada pela família, já que ninguém chegara a este grau de instrução.

Com a ajuda do pai montou um carrinho de pipoca e foi trabalhar: Pipoca do Bola. Como adorava comer, incrementou a pipoca. Na de sal, punha queijo e bacon, para dar mais sabor. E, na doce, leite condensado. A criançada adorava. E ele também. E prosseguiu na caminhada rumo ao ganho de peso.

Os anos passaram, os pais morreram e o Bola foi ficando cada vez mais sozinho. Irmãos não tivera, os amigos se casaram. Os parentes moravam no Nordeste, onde tinha ido com os pais umas poucas vezes. Deste modo o Bola foi se isolando.

Não se casara e aquilo para ele fora a sua maior derrota. Sendo homem, filho de nordestino, com o pai cabra macho, queria ao menos lhe proporcionar netos. A mãe também por isso ansiara, mas o filho não lhe dera os netinhos tão desejados.

Na vida adulta teve problemas decorrentes da gordura. Pressão alta, colesterol, mas o que mais lhe incomodava eram as crises na coluna. Com aquele peso todo, o corpo sentia. Os médicos, afora os remédios, lhe recomendavam dieta. Mas, sem os pais, sozinho, sem mulher, sem filhos, que outra graça haveria na vida senão comer? E assim, ganhara mais peso.

Terminou no hospital, sozinho, obeso, deprimido. Já não via mais graça na vida. Para fazer qualquer coisa precisava de ajuda dos outros. Levantar-se era um custo. Ir ao banheiro um suplício. E não podia comer o que queria. Qual a graça daquela vida? Foi deprimindo, deprimindo, perdendo a vontade de viver, até que um dia, num enfarto fulminante, desencarnou.

A mãe não lhe dera orientação religiosa adequada. Pouca coisa havia aprendido além do Pai Nosso e da Ave Maria. Estivera com ela na missa umas poucas vezes. Segundo o pai, igreja era lugar mais para mulher, com o que concordava a mãe, também não muito religiosa.

Como pouco se movimentava quando vivo, como desencarnado continuou no mesmo lugar. Os médicos e as enfermeiras já não lhe davam muita atenção, se referindo a ele como se já não mais estivesse vivo. Mas vivo ele estava. Coisa mais estranha - pensava.

Como não lhe davam mais atenção, à custa de muito esforço buscou sair daquela droga de hospital. Por encontrar-se sozinho – pensava – o negócio era se virar. Depois de muito caminhar, afinal conseguira um lugar para ficar. Mal iluminado, sem jeito, mas para ele bastava um lugar qualquer. Não importava.

A maior parte do tempo passava sem fazer nada. Afinal, que importância tinha isso? Ninguém ligava pra ele. Às vezes tinha fome, outras sede. Então, nas circunvizinhanças, conseguia alguma coisa. Uma comida estranha, uma água diferente. E daí?

Certo dia viu umas crianças que conhecera falando dele. Comentavam sobre a pipoca do Bola, mas que era uma pena que ele tivesse morrido. Adoravam a pipoca e o bom humor do Bola, que para sua tristeza havia morrido do coração. Ele tentou falar com as crianças: - Eu não morri! Eu não morri! – mas ninguém atendeu.

Aquele fato não saiu da cabeça. As crianças, logo as crianças, por que ele tinha especial atenção não lhe deram a menor pelota. Fazia as pipocas com carinho para elas. Caprichava, botava queijo, bacon e usava milho da melhor qualidade. E agora, quando se sentia sozinho, elas nem lhe dirigiam a palavra? Ficou arrasado!

Neste estado de espírito, enfim pensou, que talvez tivesse morrido mesmo. Mas aquilo não lhe entrava na cabeça. Como tinha morrido se estava vivo? Teria perdido o juízo? Por uns dias ficou cismarento, pensativo... E se tivesse morrido mesmo?!

Os dias se passaram mais pesados. Ele foi ficando com o coração apertado... apertado... Será que Deus tinha se esquecido dele? Bem – pensava – ele também nunca dera atenção a Deus, então porque Deus teria que se importar com ele? Nesse estado de espírito sentiu saudades da mãe e lembrou-se de rezar. O pai lhe dizia que igreja era coisa mais pra mulher, no entanto, não estava ali. Assim, o Pai Nosso lhe veio inteirinho em sua cabeça, do jeito que a mãe havia lhe ensinado. E depois, puxando pela memória, lembrou-se de Nossa Senhora e da Ave Maria.

De religião não sabia muita coisa, mas por Nossa Senhora sempre tivera simpatia. Todo mundo falava em Jesus, mas e a mãe dele? Ora, se Jesus tinha valor, muito mais tinha Nossa Senhora que lhe dera a vida. E apegou-se com fervor a Nossa Senhora. Ele não era mãe de Jesus? Quem sabe pedindo a ela Jesus lhe ajudasse? As Aves Maria que passou a rezar lhe aliviaram o coração.

Um dia, onde morava, lhe apareceu uma senhora que lembrava muito sua mãe. Ela o chamou pelo nome, mas como o conhecia? Mas ela lhe falou com tanto carinho, que dentro em pouco não mais ligava para este detalhe. Ela lhe disse que Nossa Senhora havia ouvido sua prece e nem ela nem Jesus se esqueciam de ninguém. Disse ainda que trabalhava numa certa Legião dos Servos de Maria e que tinha recebido a incumbência de ajudá-lo.Conversam muito e ele pode desabafar sua mágoas. Ela lhe explicou que não estava doido, que nós tínhamos muitas vidas, que aquela vida como Bola já tinha acabado e que deveria seguir em frente.

Também lhe explicou que estava ali para ajudá-lo, que iria tratá-lo, mas que retornaria daqui a alguns dias com enfermeiros, que lhe levariam para um local mais adequado para tratamento. Ela lhe deu água, lhe pediu para fazerem uma oração conjunta e ao final lhe impôs as mãos sobre a cabeça, passando em seguida as mãos estendidas por todo o corpo. Falou que aquilo era um tratamento e que chamava-se passe. O Bola adormeceu.

Alguns dias depois voltou com os enfermeiros, como havia dito, sendo recebida com muita alegria. Desta vez chegaram com uma espécie de ambulância, levando o Bola para tratamento. Ele aquiesceu de bom grado. Explicaram-lhe que iria para um hospital, onde poderia obter maiores esclarecimentos sobre o que tinha ocorrido.

O Bola foi levado para uma reunião mediúnica, onde reinava muita paz e amor. Ao chegar, aquelas vibrações mexeram com sua sensibilidade. Pode desafogar suas magoas, entender o que havia acontecido, mas se já tinha morrido, ou, como lhe diziam, desencarnado, porque continuava enorme daquele jeito?

Em resposta, fizeram sentida prece por ele. Com sua colaboração, pediram que imaginasse um campo cheio de flores, um gramado verdejante, com a brisa lhe batendo no rosto, onde poderia correr à vontade e rolar na grama. Ele foi se entregando, se entregando, visualizando aquele local. Acompanhou as palavras do doutrinador e mentalmente fez sentida prece. Então, criou na mente um corpo novo, com saúde, jovem e esbelto. Sentiu um arrepio pelo corpo, uma energia a lhe percorrer, e viu que se transformava, tornando-se saudável e cheio de vida. Ao final deste processo estava lívido e feliz. Ao fim, saiu adormecido, sendo antes esclarecido que depois teria mais explicações. 

Mais tarde, num hospital da espiritualidade, soube que a senhora que o havia ajudado era sua avó, que não tivera a oportunidade de conhecer. Pode reencontrar-se com os pais, onde começaram a alinhavar novos projetos de uma vida futura, pois ainda havia muito o que aprender. E, enfim, entendeu que Deus não se esquece de ninguém.

Muita paz.

2 comentários:

  1. Lindo. Simples e lindo!

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  2. Eu acredito em tudo o que foi relatado.
    Sou testemunha de um relato bem parecido.
    Que os bons espíritos lhe conduzam na paz de Deus.

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