sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Meu amigo Beto

Você já conheceu alguém com quem, de cara, estabeleceu uma sintonia instantânea? Alguém desconhecido, mas, sabe-se lá por que motivo, em pouco tempo, o papo rola solto, descontraído, gostoso?Às vezes a gente não fala assim: - eu te conheci agora, mas parece que te conheço há um tempão! Ô coisa boa quando isso acontece, não é verdade? Sentir-se à vontade, poder falar com liberdade, sabendo que o outro está lhe compreendendo. Isto é muito legal. Era assim comigo e o Beto.

Nestas situações, o nosso coração, ao sentir-se bem, vai nos mostrando a existência de uma afinidade antiga, de um conhecimento prévio, de convergência de sentimentos e opiniões. Não é assim com a amizade? Sabemos como nossos amigos pensam, conhecemos a sua história de vida, possuímos lembranças comuns e podemos ter até pontos de vista diferentes sobre as coisas, o que não impede que a amizade continue, a despeito das diferenças. Entre amigos, ainda que não se vejam constantemente, subsiste o carinho, o afeto, a compreensão e a tolerância mútua. Jesus, sábio que era, elevou a amizade, ao seu mais alto grau, conforme consta em João15, v. 15: "Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer"

De onde será que vem esta afinidade? Ou, pelo contrário, uma antipatia sem explicação? Ah, meus amigos, somos espíritos vivendo na Terra há muitas existências. Vamos fazer uma conta fácil, levando em conta que estamos em 2.010. Digamos que nossa primeira encarnação tenha sido no ano 10 do início da era cristã, somente para raciocinar. Segundo a doutrina espírita o estágio do espírito na erraticidade é variável, dependendo das necessidades do espírito, podendo a reencarnação ocorrer imediatamente, mas normalmente vem acontecer após intervalos mais ou menos longos (vide pergunta 223 – Livro dos Espíritos). Vamos dizer, somente para utilizar um número, que o intervalo entre cada encarnação seja de 150 anos. Então, já tivemos pelo menos treze existências, em lugares, diversos, famílias diversas, nas mais variadas condições. Nestas vidas, quantos amigos tivemos? E com quantas pessoas tivemos problemas? Impossível calcular. Acontece que vamos encontrando e reencontrando com todas estas criaturas quando encarnados, daí a origem das antipatias e das afinidades.

Por outro lado, imagine só, que estando encarnados, lembrássemos de todos os amores que tivemos e dos desafetos contraídos em nossas existências. Complicado, não é? Então, a misericórdia divina, nos concedeu o dom do esquecimento. Ao esquecermos, podemos nos reconciliar com os adversários do passado, superarmos nossas dificuldades e assim contribuirmos para o crescimento espiritual comum. Deus, que é amor, com sua inteligência infinita, nos concede em nossas diferentes vidas a oportunidade de corrigirmos os nossos erros e de aprimoramos nossas qualidades. Por conta disso, quem não tem a menor habilidade musical, por exemplo, se começar a estudar nesta vida, poderá, numa vida futura, já demonstrar facilidades, e, prosseguindo nesta toada, tornar-se quem sabe, mais adiante, compositor ou músico profissional. Portanto, devemos plantar agora, para no futuro colher os frutos.

Mas se esquecemos de tudo, como é que sentimos afinidades e simpatias? Acontece que temos uma memória afetiva e esta é muito profunda. Pense numa dificuldade passada, uma discussão, um aborrecimento, algo mal superado. O seu coração guarda o acontecido, não é? Nem é bom lembrar. Deixe isso pra lá. E quando encontramos com os amigos de infância, nossa memória não vai lá atrás e boas lembranças não vem à nossa mente e fazem feliz o coração? É a nossa memória afetiva agindo. Do mesmo modo, nosso coração guarda lá no fundo, as vivências passadas. E, se tivermos o hábito de escutá-lo, vamos não só nos livrando de muita coisa ruim, mas também encontrando novos caminhos e alternativas. Nosso sentir, combinado com o nosso pensar, nos conduz ao rumo certo.

E o Beto? Bem, o conheci através de minha mulher, em Mogi das Cruzes, onde morei em certa fase de minha vida. Acontece que ela é professora e, na escola conheceu a mulher do Beto, a Sílvia. Daí nos conhecemos e nossa amizade progrediu rapidamente. Algumas amizades vem de longe, minha gente. Entre nós parecia que assunto não faltava. E nossas esposas também se davam bem. Pena que, nessa vida, nossa convivência não tenha durado muito.

Certo dia, quando retornava de carro a São Paulo, uma vaca atravessou a estrada. Beto desviou, mas não houve jeito, o acidente foi gravíssimo. E nessa o Beto se foi. Sobreviveram a Sílvia e o filho.

Um tempo depois, tive um problema sério de saúde: colangite obstrutiva. Esta doença é causada pela obstrução do canal do colédoco, do qual nunca havia ouvido falar até então. Esse canal liga o fígado ao intestino, servindo para transportar a bile. Quando ele entope, a bile não vai para onde deveria ir, causando icterícia. Eu fiquei todo amarelo, com febre de mais de quarenta graus, por mais de quinze dias e com abcesso no fígado. O tratamento não surtia efeito, a infecção não cedia, um horror. Tinha alucinações, a febre não passava e perdi muitos quilos. Foi quando corri maior risco de vida. Cinqüenta por cento dos pacientes, segundo disse meu médico, nesses casos faleciam.

Nessa época a Sílvia e minha prima, Nina Maria, prestaram assistência a mim e minha mulher, pois moravam em São Paulo, onde me internei, na Beneficência Portuguesa, sendo tratado por uma excelente equipe.

A despeito do tratamento excelente, a verdade é que durante um período pouco melhorei. Os médicos tentavam de tudo, faziam exames diariamente, acompanhavam o caso com afinco. Depois, vim a saber que todos os dias de manhã os casos mais graves, como o meu, eram discutidos pela equipe médica, para adotarem as melhores medidas de tratamento.

Certo dia, muito mal, senti que talvez não continuasse mais por aqui. Eu não melhorava, estava fraco, sem forças, abatido, sofrido, e pensei que talvez não desse para continuar vivendo. Nesse estado, vi uma substância leitosa se desprendendo de meu corpo, feito uma fumaça. Senti como se estivesse sendo desligado de meu corpo físico e, face ao estado em que me encontrava, fui deixando me levar. Então que ouvi uma voz firme falando pra mim:

- Você fica aí! Fique aí! Você tem mulher e filho para criar. Fique aí! – Era o Beto.

Com aquele comando resoluto, decidido, reagi. Era o Beto, me dizendo pra ficar. Como é que eu iria dizer que não. Não tive outra alternativa senão obedecer à sua ordem. E, como podem ver, aqui estou. O tratamento dispensado pela equipe médica da Beneficência foi excelente e, mesmo prolongado, como o caso exigia, acabou dando certo. A infecção cedeu e me curei. Mas quase fui embora, não fosse o meu amigo.

Quanto ao Beto, o que sei é que vou reencontrá-lo um dia. Não sei quando, mas que vou vê-lo mais uma vez e lhe dar um grande abraço. Isso eu vou. E não vou ser só eu. Muita gente vai reencontrá-lo. Assim como você que me lê, um dia vai reencontrar os seus amigos, os seus familiares que já se foram. A vida não acaba não. Continua. Prossegue.

Como o Beto, os seus amigos espirituais estão aí ao seu lado. Todo mundo tem. Um dia você vai ver.





















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