segunda-feira, 15 de março de 2010

Os arruaceiros

Eles não queriam saber de nada. A não ser de diversão. Gostavam de zoar os outros. Brigas também não eram problema! Vinham de ônibus até a estação das Barcas e atravessavam para o Rio, onde trabalhavam, em funções mais simples. Eram boys, operadores de máquinas xerox, contínuos, etc...

Estando na barca, gostavam de ocupar o segundo andar, na parte de trás, onde iam fazendo algazarra. Os passageiros se entreolhavam, alguns faziam cara feia, mas era raro alguém enfrentá-los, pois eram muitos, uns dez aproximadamente.

Gostavam de ir ao Maracanã. Jogo de casa cheia então adoravam. No retorno vinham batucando e cantando no ônibus, implicando com os torcedores rivais. Não se pode dizer que fossem criaturas ruins. Eram muito mais inconseqüentes, sem juízo.

E assim iam vivendo a vida. Tinham um dinheirinho para a cerveja, para um churrasquinho e para o jogo de futebol de domingo. Comida era com tíquete. Condução com Riocard. E, sendo daquele jeito, alegres, bagunceiros, faziam sucesso com a mulherada que também gostava de zoar. Mulherada, cerveja, churrasquinho, zoação. Que vida boa!

Religião? Que religião que nada! Papo mais esquisito. Nada a ver! A bem da verdade, um deles até que freqüentara uma igreja, onde aprendera a fazer orações. Chegara a chamar seus amigos, mas o convite não deu em nada. Por fim, achou que os amigos é que estavam certos, que tinha que aproveitar a vida. E acabou deixando este assunto de lado.

Certo dia foram ao Maracanã, ver a vitória de seu time. Para comemorar, na saída do estádio, tomaram umas cervejas. Voltaram de ônibus, alvoroçados, alegres e zoando todo mundo. Chovia, o asfalto estava molhado, e o motorista corria muito. Ficara perturbado com aquela algazarra. Já estava cansado, queria chegar logo em casa, depois de muitas horas ao volante. E metia o pé, envolvido por aquela atmosfera conturbada.

A viagem ia transcorrendo com os passageiros incomodados por aquele grupo de arruaceiros e pela velocidade desenvolvida pelo ônibus. Para seu azar, o motorista não vira um carro que entrara a direita, também em alta velocidade, vindo a colidir com ele na altura da Leopoldina, na Avenida Francisco Bicalho, caindo no Canal do Mangue.Como resultado do acidente faleceram o motorista e diversos passageiros, entre eles os amigos arruaceiros.

Desencarnaram em virtude do choque, da capotagem do ônibus e do afogamento, já que chovia muito e o Canal do Mangue estava cheio. Envolvidos pelo alvoroço que provocavam, pelo alarido do acidente, pelas cervejas que haviam tomado não perceberam exatamente o que acontecera.

As pessoas diziam que haviam morrido, mas a verdade é que continuavam vivos. Como aquilo era possível? Tentaram se comunicar com seus parentes e amigos, mas, estranhamente, ninguém respondeu. E ainda sentiam as dores provocadas pelo acidente. Como então morreram?

Na espiritualidade viram-se num ambiente estranho, envolvidos pelas suas próprias vibrações. Além disso, viam criaturas com vestes escuras que vinham lhes atormentar. Por isso, saíram correndo do local do acidente, indo parar muito longe dali.

Deram-se conta que talvez tivessem alguma responsabilidade pelo acidente. Afinal, o motorista pedira para parar com a gritaria, mas não fora atendido. Os passageiros também. Quem sabe não tivessem culpa no caso do acidente. Infelizmente, os outros morreram, mas eles estavam vivos. Resolveram então se esconder por um tempo. Não queriam problemas com a polícia.

Por um tempo ficaram isolados, mas sem um local certo para ficar. Nos lugares onde iam sempre havia alguém que se dizia dono e os escorraçava com vigor. E eles não estavam em pleno vigor. Sentiam-se estranhos, sem força, mas mortos não estavam. Assim iam vivendo, debaixo de pontes, de viadutos, perambulando sem rumo.

Tempos depois, quando acharam que o caso do acidente já poderia ter caído no esquecimento, e pelo fato de não terem sido apanhados pela policia, resolveram voltar para suas casas, marcando um local de reencontro, para contar como houvera sido o retorno.

Dias depois retornaram ao local combinado. Viram as famílias tristes, enlutadas, mas ninguém lhes dera atenção. Perceberam, no entanto, quando estavam presentes no ambiente, que os familiares se tornavam mais emotivos, que lhe vinham lembranças de sua vida. Ouviram também muitas críticas ao seu modo de ser, do seu jeito irresponsável, sem juízo. Gritaram, se exasperaram, mas ninguém lhes respondera. E acharam muito estranho referirem-se a eles como mortos. Eles não estavam mortos e sim muito vivos.

Com as pessoas do trabalho e os amigos igualmente não tiveram o menor êxito. Todos lhes ignoraram. E, do mesmo jeito, comentavam o acidente, suas mortes e da vida destrambelhada que levavam. Só farra, zoação, bagunça. Não podia dar em boa coisa. Era o que diziam.

Então, se ninguém queria saber deles, pouco importava. Eles não eram amigos? Não estavam todos juntos? E assim ficaram, mas já sem o mesmo ânimo de antes. Mudaram o estado mental e passaram a se lamentar das coisas. Já não queriam mais zoar todo mundo, mesmo que de vez em quando ainda fizessem isso, mas já não era mais tão divertido.

Passaram a maldizer a Deus e a má sorte. Reclamavam da falta de oportunidade, das más escolas, do trabalho que faziam, do governo, dos pais, enfim de tudo. Passaram a cultivar o mau humor, o desânimo e não viam como sair daquela situação. Agora, já não viam mais tanta graça na companhia uns dos outros. Porém, esquecidos pela família e pelos amigos, o jeito era ficarem juntos.

Um deles, porém, aquele que frequentara a igreja, queria que passassem a fazer preces, orações, quem sabe não se lembrassem deles? Os outros diziam que aquilo era bobagem, pois, se nem a família nem os amigos os haviam acolhido, não seriam religiosos que iriam ajudar. Além disso, não tinham nada. Tinham se tornado miseráveis, sujos, maltrapilhos, doentes, abandonados. Porque Deus se interessaria por eles?

Neste estado de espírito, iam tocando a vida, sem rumo, sem parada, sem entender a sua situação. Será que tinham morrido? Mas se tinham morrido, como continuavam vivos? Aquela pergunta não lhes saía das mentes.

Cada um passou a colocar sua vida em revista. Lembraram-se das conversas com os pais, com outros amigos e das recomendações para que mudassem de rumo. Aos poucos foram fazendo uma viagem interior, repensando suas vidas, seus atos. Quem sabe o amigo que frequentara a igreja não estivesse certo? Talvez uma prece ajudasse. Todavia, não sabiam rezar.

Acabaram por aceitar a sugestão de seu amigo que lhes ensinou o Pai Nosso e lhes falou de Jesus. E, com os corações apertados, fizeram sentida prece. Aquele chamado ecoou longe, num posto de socorro espiritual, onde foi providenciada uma ambulância que os socorreu.

Atualmente se encontram em tratamento e aguardam nova oportunidade para reencarnar.

Esta estória serve para mostrar como é importante o nosso pensamento, a atmosfera mental, o valor da prece. Os desencarnados, assim como nós, são ajudados com mais facilidade quando transformado o panorama mental. Não é que a espiritualidade deixe de nos auxiliar. Sucede que a prece, ao elevar nossa vibração, abre caminho para a intervenção do plano espiritual. Explico melhor.

Imagine-se em estado de irritação, de mau humor. Pense que não queira saber de ninguém. Neste estado, muito difícil será escutar uma palavra amiga, ou até mesmo permitir aproximação. Talvez você possa dizer: - Me deixe quieto. Quero ficar sozinho! Não é assim?

De modo semelhante, a espiritualidade respeita as nossas escolhas, entendendo que cada um necessita de determinado tempo para mudar suas resoluções.

Neste episódio, como em tantas outras manifestações havidas em reuniões mediúnicas, a prece equivale a um pedido de socorro e, como Deus não se esquece de ninguém, a ajuda sempre vem.

Muita paz.























































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